quarta-feira, 2 de julho de 2014

Correria do cotidiano, necessidade de ir devagar

A máxima de que há um tempo para tudo na vida ainda tem validade... O cotidiano nos enterra e deixa pouco espaço para as coisas que realmente importam.
Hoje eu percebo que os dias mais felizes da minha vida definitivamente não foram dias em que eu estava correndo aqui e ali para resolver coisas 'urgentes' e 'inadiáveis', ao contrário, foram momentos em que me permiti um tempo para não fazer nada. Para observar a natureza, para bater um papo animado, sem pensar no próprio tempo.
Tenho lido alguma coisa sobre anarquia e cada vez mais chego à conclusão de que essa organização de vida que a sociedade criou não é boa para nós.
Vou tirar meus minutos do dia agorinha para não fazer absolutamente nada e sentir que sou humana.  Não é um ótimo programa?
Acho que combina com essa 'vibe' o trecho do poema do Pessoa, pelo menos a parte em que fala 'adia-te, presente absoluto':
Hoje não me resta, em vésperas de viagem, 
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada, 
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem, 
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado) 
Senão saber isto: 
Grandes são os desertos, e tudo é deserto. 
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida, 

Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar 
Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem) 
Acendo o cigarro para adiar a viagem, 
Para adiar todas as viagens. 
Para adiar o universo inteiro. 

Volta amanhã, realidade! 
Basta por hoje, gentes! 
Adia-te, presente absoluto! 
Mais vale não ser que ser assim. 

Comprem chocolates à criança a quem sucedi por erro, 
E tirem a tabuleta porque amanhã é infinito. 

Mas tenho que arrumar mala, 
Tenho por força que arrumar a mala, 
A mala. 

Não posso levar as camisas na hipótese e a mala na razão. 
Sim, toda a vida tenho tido que arrumar a mala. 
Mas também, toda a vida, tenho ficado sentado sobre o canto das camisas empilhadas, 
A ruminar, como um boi que não chegou a Ápis, destino. 

Tenho que arrumar a mala de ser. 
Tenho que existir a arrumar malas. 
A cinza do cigarro cai sobre a camisa de cima do monte. 
Olho para o lado, verifico que estou a dormir. 
Sei só que tenho que arrumar a mala, 
E que os desertos são grandes e tudo é deserto, 
E qualquer parábola a respeito disto, mas dessa é que já me esqueci. 

Ergo-me de repente todos os Césares. 
Vou definitivamente arrumar a mala. 
Arre, hei de arrumá-la e fechá-la; 
Hei de vê-la levar de aqui, 
Hei de existir independentemente dela. 

Grandes são os desertos e tudo é deserto, 
Salvo erro, naturalmente. 
Pobre da alma humana com oásis só no deserto ao lado! 

Mais vale arrumar a mala. 
Fim. (fonte: http://www.fpessoa.com.ar/poesias.asp?Poesia=005)


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